terça-feira, 27 de março de 2012

ARTE ASURINI DO XINGU - PARTE II

Foto: acervo Museu do Índio
                                       PINTURA CORPORAL

Na decoração do corpo, o significado da aplicação dos desenhos geométricos está relacionado à categorização social dos indivíduos. Os motivos de pintura são comuns a ambos os sexos. A divisão do corpo, entretanto, critério de distribuição dos desenhos, difere segundo o sexo. Entre as mulheres, o ventre é marcado por um desenho que divide a parte da frente do corpo em duas, verticalmente. Entre os homens, esta divisão se dá no sentido horizontal, isto é, obedecendo à mesma divisão da tatuagem: o desenho nos ombros (jesi’ivapava) e linhas horizontais, de ombro a ombro, delimitam a parte de cima que não é pintada.

Distinguindo gênero e reafirmando a natureza humana do suporte, a pintura corporal realiza a existência do corpo, do mesmo modo como a decoração da cerâmica realiza a existência do objeto, reunindo ornato e função utilitária. A aplicação dos desenhos geométricos no vaso cerâmico obedece aos limites que identificam sua forma (base, corpo, gargalo) que, por sua vez, está relacionada à sua função (cozinhar, transportar e armazenar alimentos).

Na decoração do corpo humano, pode ser usado qualquer motivo de desenho aplicado na cerâmica, o campo mais variado de formas e padrões decorativos utilizados. O padrão juaketé, entretanto, é o único usado com exclusividade na pintura corporal feminina. Neste padrão, que se traduz por “pintura de verdade”, a forma é parte de identificação e domina, portanto, o conteúdo. O desenho subordina-se à forma do corpo. No restante dos desenhos, a forma se amolda a eles sem que sejam alteradas as características formais, identificadas em qualquer suporte. O padrão juaketé, por sua vez, só se realiza na forma do corpo humano. O círculo, de onde partem as linhas e os losangos que cobrem o tronco e as coxas, é aplicado sobre a articulação das pernas ao tronco. O fundo da panela desloca-se no corpo para o círculo da articulação dos membros ao corpo, distinguindo a forma do objeto da forma humana. Juaketé segue o padrão tamakyjuak (losango) cuja tradução é “pintura de perna” (tamaky= perna, canela: juak= pintura). Este padrão é usado, preferencialmente, na perna, abaixo do joelho até o tornozelo. Nesta parte do corpo, as meninas treinam freqüentemente as técnicas da pintura.

O padrão “pintura de pena” é próprio dessa parte do corpo e, pela analogia entre a forma desta e da panela de cerâmica, arredondada, é transposto para o objeto, obedecendo à mesma regra de divisão do espaço em superfície curva.

Para a aplicação da pintura corporal, rala-se o fruto verde do jenipapo em raiz da palmeira paxiubinha e espreme-se o sumo, ao qual se adiciona carvão vegetal, esfregando-se no fundo de uma panela de cerâmica semi quebrada, onde se deposita o líquido. Com o carvão, o desenho fica visível durante a execução da pintura feita com pincéis apropriados (haste de uma leguminosa, jupuíva, a lasca de talo de babaçu e o talo encapado de algodão) ou com os dedos.



Retirado do catálogo da exposição RITUAL DA IMAGEM/ARTE ASURINI DO XINGU /REGINA POLO MÜLLER/MUSEU DO ÍNDIO/FUNAI/2009

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